Desgosto.
Dissabor.
Amargura.
Azedume.
Dei por mim a pensar que na língua portuguesa utilizam-se palavras relacionadas com o paladar para expressar sentimentos de tristeza.
Depois tentei encontrar as que expressassem o seu contrário também relacionadas com este sentido e só me ocorreu “Gosto”. Haverá mais alguma?
Achei curioso o aparente desequilíbrio entre o número de palavras para descrever aflições e alegrias.
Nesta minha reflexão pensei em outras línguas. Será que a portuguesa utilizará mais palavras relacionadas com o paladar para expressar estes sentimentos? Conheço a tradução destas palavras em espanhol, francês, italiano, inglês. Desconheço as da África, da Ásia, ou do Médio Oriente.
Ultimamente tenho tido alguns dissabores. Nada que ultrapasse a categoria de “problemas de primeiro mundo”.
Estes têm-se traduzido num estado espírito semelhante à reação física produzida pelo sabor amargo: intensa e súbita sensação de boca seca, um formigueiro sobe pelo nariz, os olhos fecham-se com força e por vezes as lágrimas caem involuntariamente.
Este estado de espírito influencia a minha escrita.
Os pensamentos ficam aos pedaços, flutuando no sumo de fruta, no fundo de uma taça. Ando com uma colher a apanhar os pedacinhos. Tento juntá-los para formar uma ideia. É preciso paciência.
Será que estes estados de espírito amargos e desgostosos, podem ser atenuados por algo que se coma?
O cheiro eletrizante a pimenta de sichuan de uma taça de Mapo Tofu. O sabor inebriante do cacau numa fatia de bolo. A explosão de molho de malagueta Habanero numa dentada. A frescura numa colher de gelado de lima. A crocância e a “peganhencia” de uns amendoins caramelizados.
Determinados sabores têm este poder de nos fazer sair da tristeza e da letargia, ou porque sobrecarregam os sentidos, ou porque invocam boas memórias, ou ambos.
Uma formas que tenho para me reconciliar com a vida é com um destes pratos. Preparo-os em casa, organizando a cabeça e o coração enquanto cozinho, ou então vou ao restaurante e enquanto espero, converso, observo as pessoas nas mesas, os empregados. Quando o prato chega à mesa as tréguas são decretadas e o que era desgosto e amargura é curado com uma garfada de sabor.